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Sobre Tratamento da Dependência Química

O tratamento da dependência química

O campo da dependência química é um campo ainda permeado por muito preconceito, empirismo, resistência dos formadores de opinião, familiares e também dos próprios profissionais. Não é incomum encontrar muitos conceitos desatualizados e uma grande carga moral no modo como os profissionais de saúde percebem o dependente de álcool e outras drogas. Assim, não é por acaso que os dependentes se sentem frequentemente mal atendidos e pouco acolhidos nos serviços típicos de saúde mental.

Muitos profissionais de saúde trabalham de modo isolado, com base apenas em sua experiência profissional e sem ter recebido um treinamento adequado e equilibrado em seus anos de formação.

Sendo assim, é vital conhecermos os princípios e diretrizes que embasam qualquer tratamento na área da dependência química. 

Escolhemos aqui usar como base os principais órgãos de referência no mundo para esse tema: 

O National Institute on Drug Abuse (NIDA), a American Psychology Association (APA) – Estados Unidos dos Estados Unidos, O “Centre for Addiction and Mental Health” do Canada , e o National Institute of Health Excellence (NICE) do Reino Unido. 

Todas entidades aqui citadas usam critérios rigorosos de seleção de práticas com altos níveis de evidência de eficácia para formular suas diretrizes. 

Veja a seguir informações úteis sobre as diretrizes propostas pelos principais órgãos de referência internacionais

Boas práticas em tratamento propostas pelo National Institute on Drug Abuse (NIDA) – Estados Unidos

Há mais de 20 anos o Instituto americano de abuso drogas desenvolveu o primeiro guia de boas práticas baseadas em pesquisas realizadas no campo da dependência química. Suas diretrizes são constantemente revisadas através de revisões sistemáticas da literatura considerando exclusivamente os resultados de estudos controlados e randomizados realizados em diferentes centros de estudo ou atendimento, critério considerado “ouro” para a avaliação de eficácia ou efetividade de uma intervenção. 

No Guia do NIDA destacam-se 13 pontos que devem ser contemplados e utilizados por serviços de tratamento da dependência química:

A dependência química é uma doença complexa, porém tratável, que afeta as funções cerebrais bem como o comportamento do usuário. O abuso de drogas produz alterações cerebrais estruturais e funcionais que podem persistir por um longo período após a interrupção do uso. Isso, em parte, explica porque usuários de drogas estão em risco de recaída mesmo após um longo período de abstinência. 

 

  1. Não existe um tratamento único apropriado para todos os indivíduos. O tratamento precisa variar dependendo de características do paciente e do tipo de droga para qual ele é dependente. É preciso adequar serviços, técnicas e tratamento às demandas específicas de cada indivíduo para que o tratamento possa ser efetivo.
  2.  O tratamento precisa estar imediatamente disponível. Pelo fato de muitos usuários de drogas estarem ambivalentes quanto a seu desejo de receber ajuda, é fundamental que os serviços disponham de uma estrutura preparada para receber um indivíduo imediatamente após a sua iniciativa de buscar tratamento. 
  3. O serviço precisa assistir o paciente em suas múltiplas necessidades e não apenas o no uso de drogas.
  4. Aderir ao tratamento é fundamental para que esse seja efetivo. Estudos sugerem que permanecer aderente por no mínimo três meses está associado a melhores prognósticos, como o de abstinência.
  5. Terapias comportamentais utilizadas individualmente, em casal, família ou grupos são utilizadas em maior frequência e com maior evidência de eficácia.
  6. Tratamentos farmacológicos podem ser efetivos especialmente quando associados a tratamentos psicossociais.
  7. Todo serviço deve ter um planejamento individualizado para cada paciente, precisando ser modificado continuamente a fim de se adequar às novas demandas que possam emergir durante a recuperação do paciente.
  8. Muitos dependentes de substâncias também apresentam outras comorbidades psiquiátricas (ex. transtornos de humor) bem como complicações clínicas (ex. cirrose hepática). O tratamento integral do paciente, contemplando todos os possíveis diagnósticos deve ser um dos objetivos do serviço.
  9. A desintoxicação é somente uma das etapas do tratamento. Quando feita de forma isolada e não integrada a outras ações de tratamento terá pouco efeito na recuperação de longo prazo do paciente.
  10. O tratamento não precisa ser voluntário para ser efetivo. Sanções familiares, de trabalho ou impostas pelo judiciário podem aumentar a retenção e o sucesso do tratamento.
  11. O uso de drogas durante o tratamento deve ser monitorado constantemente. Saber que seu uso de drogas está sendo monitorado pode ser um grande incentivo ao usuário. Adicionalmente, saber rapidamente da existência de um lapso ou uma recaída pode ser importante para o serviço repensar as estratégias de tratamento a serem usadas nestes contextos.
  12.  Serviços especializados em dependência química devem testar todos seus pacientes para HIV/AIDS, hepatites B e C, tuberculoses e outras doenças transmissíveis (devido a alta prevalência dessas doenças nesta população). Oferecer aconselhamentos em redução de riscos para essas doenças, bem como, uma rede de encaminhamento para o tratamento destas doenças é importante.         
  13. É importante que o paciente permaneça durante um período adequado de tempo no tratamento. 

Intervenções psicossociais recomendadas pelo NIDA:

Do ponto de vista das intervenções psicológicas o NIDA destaca os seguintes tratamentos com maior evidência de efetividade:

Terapia cognitivo comportamental

Manejo de contingências

Tratamento por reforço comunitário

Terapias de aumento de motivação

Terapia de família/casal

Terapia de facilitação dos 12 passos

Boas práticas em tratamento propostas pela American Psychology Association (APA) – Estados Unidos

A Associação Americana de Psicologia (APA) desenvolveu um manual sobre “Práticas de tratamento com eficácia baseada em evidência para transtornos por uso de substâncias” (Evidence-based treatment practice for substance use disorder) (APA, 2005). Uma das principais contribuições deste manual foi dividir de forma clara o fluxo de atenção ao paciente em três estágios de atenção:

Triagem, intervençõa breve e encaminhamento

Tratamento ativo que incluam desintoxicação, trataemnto ambulatorial e de comorbidades

Engajamento contínuo como parte de um plano de recuperação de longo prazo

Neste primeiro estágio de triagem, todo indivíduo com necessidade de atendimento em hospitais gerais, pronto-socorro, unidades básicas de saúde e ambulatórios médicos deve passar por uma breve triagem com um profissional treinado, geralmente um enfermeiro. Este enfermeiro deve aplicar um questionário que contemple uso de risco, abuso e dependência para as substâncias psicoativas mais prevalentes na região (geralmente álcool). 

Importante lembrar que este instrumento precisa apresentar evidência de eficácia, ser estruturado, breve e validado para aquela população. Após ser feita a triagem, o procedimento termina para todos os indivíduos que não estiverem em risco ou apresentando abuso ou dependência de substâncias. Aqueles em risco ou apresentando um padrão de abuso são encorajados a receber uma “intervenção breve” feita no próprio serviço por um profissional treinado, com duração de duas a quatro semanas. Todos aqueles com um padrão de consumo mais grave e possivelmente de dependência, bem como aqueles que não apresentaram uma melhora com a intervenção breve, devem ser imediatamente encaminhados para os serviços especializados em dependência química mais próximo da sua residência. 

Destaca-se que este estágio do tratamento também é na verdade uma ação de prevenção secundária e terciária.

No segundo estágio de tratamento ativo, todo paciente deve receber um conjunto de intervenções psicossociais e/ou farmacológicas adequadas para o seu caso, sempre prezando a escolha por abordagens com evidência de eficácia. 

Intervenções psicossociais recomendadas pela APA

Do ponto de vista das intervenções psicológicas a APA destaca os seguintes tratamentos com maior evidência de efetividade:

Entrevista motivacional

Terapia de aumento de motivação

Terapia cognitivo comportamental

Terapias de casal/família estruturadas

Manejo de contingências

Tratamento por reforço comunitário

Terapia de facilitação dos 12 passos

Se faz importante enfatizar que tais técnicas não são excludentes podendo ser praticadas em conjunto como parte do tratamento. No que diz respeito aos tratamentos farmacológicos, o manual sugere que nem todo paciente necessita tratamento medicamentoso, e que apenas as medicações com eficácia comprovada devem ser utilizadas. 

Além disso, destaca-se a importância de aplicá-las em conjunto com intervenções psicossociais, já que tal procedimento está diretamente associado a uma maior eficácia da intervenção. 

No terceiro e último estágio, o manual destaca que a dependência química é uma doença crônica e para que haja uma redução dos riscos de recaída é importante manter o paciente aderente e engajado ao tratamento por um longo período. Por conta disso os serviços devem desenvolver ações que respondam às demandas destes pacientes (geralmente difere daqueles iniciando a abstinência) para mantê-los aderidos.

O Centro de Monitoramento Europeu de Drogas e Droga Dependência (EMCDDA- European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction) divulga melhores práticas no tratamento de transtornos aditivos para todos países da União Européia. Embora se baseie grandemente em guias de boas práticas já citados, como o NICE (2007) e NTA (2007), acrescenta a suas diretrizes elementos interessantes quanto ao manejo de problemas associados ao consumo abusivo de drogas como a contaminação por Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). O manual destaca a importância de se desenvolver atendimentos específicos voltados para demandas de mulheres, mulheres grávidas ou amamentando, adolescentes, portadores de HIV/AIDS e Hepatites B e C e pessoas com comorbidades psiquiátricas graves.   

Como é possível observar, essas diretrizes internacionais apresentam muitos pontos em comum estando também de acordo com as diretrizes brasileiras no que se refere ao tratamento, recuperação e reinserção social.

O Centro de Monitoramento Europeu de Drogas e Droga Dependência (EMCDDA- European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction) divulga melhores práticas no tratamento de transtornos aditivos para todos países da União Européia. Embora se baseie grandemente em guias de boas práticas já citados, como o NICE (2007) e NTA (2007), acrescenta a suas diretrizes elementos interessantes quanto ao manejo de problemas associados ao consumo abusivo de drogas como a contaminação por Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). O manual destaca a importância de se desenvolver atendimentos específicos voltados para demandas de mulheres, mulheres grávidas ou amamentando, adolescentes, portadores de HIV/AIDS e Hepatites B e C e pessoas com comorbidades psiquiátricas graves.   

Como é possível observar, essas diretrizes internacionais apresentam muitos pontos em comum estando também de acordo com as diretrizes brasileiras no que se refere ao tratamento, recuperação e reinserção social.

Modalidades de Tratamento

Terapia Cognitivo Comportamental

Descrição: A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foi desenvolvida como um método para prevenir recaídas no tratamento da dependência química. A TCC se baseia na teoria de que o aprendizado tem um papel fundamental no desenvolvimento de padrões comportamentais mal-adaptativos como seria definido abuso de substâncias. Indivíduos expostos à TCC aprendem a identificar e corrigir comportamentos problemáticos ao desenvolver diferentes habilidades que podem ser usadas ​​para suspender o uso de drogas além de tratar uma variedade de outros problemas muitas vezes associados ao consumo. Um dos elementos centrais da TCC envolve treinar o indivíduo a antecipar possíveis situações de risco ajudando-os a desenvolver estratégias eficazes de enfrentamento e de autocontrole. Entre as técnicas específicas apreendidas na TCC estão os treinos para explorar as consequências positivas e negativas do uso continuado de drogas, identificar situações de risco para recaída, e desenvolver estratégias para lidar com a fissura e evitar situações de alto risco.

Evidência: Um número substancial de estudos randomizados controlados e de revisão indicam que a TCC é efetiva em estimular a abstinência e aumentar a aderência dos pacientes ao tratamento para diversas substâncias (álcool, maconha, cocaína, metanfetamina e tabaco) (Dutra et al., 2008; Magill & Ray, 2009; McHugh, Hearon, & Otto, 2010). Estudos apontam para efeitos ainda maiores quando TCC é combinada a outros tratamentos comportamentais (Ex: Manejo de Contingências) e farmacológicos (Kathleen M. Carroll & Rounsaville, 1993; Rawson et al., 2002). Além disso, novos modelos de TCC que utilizam ferramentas da internet tem sido estudados, se apresentando eficazes e custo-efetivos, ideais para o uso em regiões mais rurais onde o acesso ao tratamento é mais difícil (K. M. Carroll et al., 2008; K. M. Carroll et al., 2014).

Manejo de Contingências

Descrição: O Manejo de Contingências (MC) é um tratamento baseado na psicologia comportamental, que envolve dar recompensas para reforçar a emissão de comportamentos adequados (ex: abstinência). Para ser mais efetivo as recompensas dadas pelo MC devem ocorrer de forma sistemática (pelo menos 2 vezes por semana) tendo seu valor reforçador aumentado de acordo com a tempo decorrido em que o paciente se mantém emitindo o comportamento desejado.

Evidência: Uma vasta gama de estudos de alta qualidade, incluindo diversas metanálises apontam o MC como sendo altamente efetivo em garantir a aderência do paciente ao tratamento, reduzir o consumo de drogas e promover abstinência continuada. O MC foi comprovado efetivo no tratamento da dependência de várias substâncias (álcool, maconha, cocaína, crack, heroína, metanfetamina e tabaco) bem como entre diversas subpopulações (adolescentes, mulheres grávidas, homossexuais, bissexuais, portadores de HIV e Hepatite, moradores de rua e pessoas com transtornos psiquiátricos graves) (Benishek et al., 2014; Cahill, Hartmann-Boyce, & Perera, 2015; Dutra et al., 2008; Lussier, Heil, Mongeon, Badger, & Higgins, 2006; Miguel et al., 2016; Prendergast, Podus, Finney, Greenwell, & Roll, 2006).

Tratamento por Reforçamento Comunitário associado a Manejo de Contingências

Descrição: Tratamento por Reforçamento Comunitário (TRC) associado a Manejo de Contingências (MC) é uma terapia ambulatorial intensiva de 24 semanas inicialmente desenvolvida para o tratamento de cocaína e álcool. Esse tratamento disponibiliza uma serie de reforçadores de ordem recreativa, familiar, social e profissional, juntamente com o MC (descrito anteriormente), a fim de promover um estilo de vida gratificante e ao mesmo tempo desvinculado do uso de drogas. O TRC tem como principais objetivos: 1) Promover períodos de abstinência longos o suficiente para que o paciente possa aprender novas habilidades que o permita levar uma vida mais saudável e gratificante, de tal modo que seja em si o motivo para continuar abstinente; e 2) Reduzir o consumo de álcool para os pacientes cujo consumo está associado ao uso de cocaína.

Evidência: Existem diversos estudos que apontam para a eficácia do TRC associado a MC em aumentar o engajamento do paciente ao tratamento e na promoção da abstinência, melhora da interação familiar e retorno ao mercado de trabalho (Higgins et al., 2003; Meyers, Roozen, & Smith, 2011; Roozen et al., 2004) para dependentes de álcool, cocaína e opióides. TRC também se mostrou efetivo no tratamento de dependentes vivendo em situação de rua (Smith, Meyers, & Delaney, 1998; Stahler et al., 2005). Junto a isso, o TRC apresenta resultados significativos entre adolescentes, sendo efetivo em reduzir o consumo de drogas (em geral), promover abstinência, melhorar a interação familiar bem como o desempenho escolar (Godley, Smith, Passetti, & Subramaniam, 2014; Hunter, Ayer, Han, Garner, & Godley, 2014; Hunter, Han, Slaughter, Godley, & Garner, 2015). 

Terapia de Aumento de Motivação

Descrição: A Terapia de Aumento de Motivação (TAM) é um aconselhamento que leva o indivíduo a resolver sua ambivalência quanto ao engajamento no tratamento e interrupção do uso de drogas. Essa intervenção tem o objetivo de modificar rapidamente a motivação do paciente aumentando a motivação para transformações saudáveis. Essa intervenção consiste em 3 a 5  sessões individuais com um terapeuta treinado. Na primeira sessão, o terapeuta fornece feedback para a avaliação inicial, estimula a discussão sobre o uso de substâncias do indivíduo e estimula a automotivação. Princípios da entrevista motivacional são usados ​​para fortalecer a motivação e construir um plano para a mudança. Junto com isso, estratégias de enfrentamento para situações de alto risco são sugeridas e discutidas com o paciente. Nas sessões seguintes se analisa estratégias para interromper o uso, bem como o compromisso de redução de uso ou de promoção de abstinência prolongada.

Evidência: Existem evidências  importantes de que o TAM é um instrumento efetivo e custo efetivo em estimular o paciente a frequentar e aderir ao tratamento para dependência química. Existem maiores evidências da eficácia do TAM para as dependências de álcool, maconha e nicotina (Babor, 2004; Baker et al., 2002; Haug, Svikis, & DiClemente, 2004; Miller, Yahne, & Tonigan, 2003).

12 Passos

Descrição: O Tratamento dos Doze Passos é uma estratégia de engajamento ativo projetado para aumentar a probabilidade de um abusador a tornar-se afiliado e ativamente envolvido em grupos de 12 passos, promovendo assim, a abstinência. A abordagem se baseia em três princípios-chave: 1) Aceitação, que inclui a percepção de que a toxicodependência é uma doença crônica, progressiva sobre a qual não se tem controle, que a vida se tornou incontrolável por causa das drogas, que a força de vontade por si só é insuficiente para superar o problema, e que a abstinência é a única alternativa; 2) Se render a um poder superior, aceitando a estrutura, o companheirismo e o apoio de outros indivíduos dependentes em recuperação, e seguindo as atividades de recuperação estabelecidas pelo programa de 12 passos; 3) Envolvimento ativo em reuniões de 12 passos e atividades relacionadas.

Evidência:

Embora a eficácia dos programas de 12 passos (e 12 passos de facilitação) no tratamento de dependência de álcool apresente fortes evidências de eficácia, a sua utilidade para o tratamento de estimulantes e opióides apresentam resultados menos evidentes (Donovan, Ingalsbe, Benbow, & Daley, 2013; Donovan & Wells, 2007). Ainda assim, por ser um tratamento filantrópico e de ação comunitária e voluntária, os 12 passos apresentam um custo extremamente baixo, o que o faz ser uma opção de tratamento bastante custo-efetiva, devendo assim ser encorajada (Ferri, Amato, & Davoli, 2006; Tonigan, 2008; Tonigan, Toscova, & Miller, 1996).